Reid Hoffman compara o surgimento de um novo ecossistema de empreendedores com um recife de coral. No início, são pólipos que se multiplicam aos milhares, de forma microscópica. Desses, poucos são capazes de se enraizar no fundo do oceano para continuarem crescendo. A maioria morre no caminho. Mas, no momento em que encontram boas condições para se firmar, criam ali um bioma muito maior do que eles. Formam sedimentações, atraem outras formas de vida marinha e criam recifes de corais de uma riqueza biológica incomparável.

A formação desses corais diz muito sobre a história da Hotmart, plataforma para empreendedores do mercado digital. Uma startup recém-nascida em Belo Horizonte que, ao lado de algumas outras que lutavam pela sobrevivência, criou um dos ecossistemas mais férteis para empreendedores do Brasil: o San Pedro Valley.

A essa história, acrescentamos um novo capítulo: seus fundadores João Pedro e Mateus agora também são os mais novos Empreendedores Endeavor.

A vida que os trouxe até aqui

João Pedro Resende sempre foi um gamer apaixonado. Cresceu montando os próprios jogos de tabuleiro, improvisando histórias de RPG e desenhando estratégias políticas para vencer competições online. Dos jogos, aprendeu habilidades para a vida. “Você joga por seis horas para conseguir suas coisas, um outro jogador vem, te mata e pega tudo que você tem. Você vai parar de jogar por isto? Não. Você começa de novo”, JP conta.

Dessa paixão surgiu também a escolha da faculdade: Ciências da Computação, na PUC-MG. Um curso que o ajudasse a dominar as ferramentas para, um dia, criar algo de impacto. Na sala, conheceu Mateus Bicalho, mineiro nascido em BH e criado no interior, que descobria naquele curso a liberdade de poder construir algo de sua autoria.

No primeiro estágio, em uma startup da região, Mateus teve o primeiro contato com uma cultura forte. Ali, aprendeu valores como autonomia, diversão no trabalho e tantos outros que hoje se refletem no jeito de ser da Hotmart — uma inspiração que o levou a empreender logo em seguida, depois de formado.

Os dois amigos se uniram para criar a MobWorks, uma empresa de desenvolvimento de aplicativos para telefone celular. Um negócio que tinha tudo para decolar, não fosse o descompasso com a tecnologia da época. O ano era 2004. Entre as funcionalidades planejadas, estariam soluções mobile a partir de geolocalização, uso da câmera e conectividade quando os celulares não tinham ainda nem tela colorida, GPS ou 3G.

“Não adiantava lutar contra a realidade; a infraestrutura de telefonia e dados que precisávamos para nossas ideias funcionarem simplesmente ainda não estava lá”, conta JP. Para adequar a ideia ao momento de mercado, os sócios passaram a desenvolver aplicativos web para grandes empresas.

O desafio maior, porém, estava na gestão do negócio. Os dois sócios tinham formação técnica em ciências da computação, sem habilidades específicas de marketing e vendas. Para cuidar desses assuntos, fizeram uma sociedade com outros empreendedores de uma agência de publicidade, que ficaria responsável pela área Comercial da empresa.

JP conta que “essa foi uma das piores decisões para minha primeira empresa e uma das melhores decisões para o meu crescimento pessoal”. A empresa acabou fechando dois anos depois. Das luzes apagadas, Mateus e JP extraíram um aprendizado: nunca delegue o que é core business da sua empresa.

Caminhos paralelos

A partir de 2006, os dois seguiram jornadas diferentes de carreira, mas sempre em contato com a intenção de um dia abrir mais uma empresa. Em paralelo ao trabalho corporativo, JP administrava uma comunidade de gamers online, ao lado de três amigos. O crescimento do site levou à divisão de funções entre os três com a intenção de gerar receita para a comunidade. Precisariam de alguém que entendesse de marketing e vendas para tocar a operação.

Nessa hora, JP fez as conexões e se voluntariou para assumir esse papel. Se a falta de conhecimento em marketing e vendas era um dos principais fatores que tinha levado a Mobworks a fechar, seria esse o desafio de João Pedro. Como lição de casa, mergulharia nos estudos de marketing digital, ferramentas de SEO e práticas de vendas online que aumentassem o tráfego para o site. Os aprendizados que adquiriu eram tão úteis que ele passou a dar dicas para outras comunidades, fazer benchmarks e até criar, em 2007, um ebook sobre estratégia de marketing digital para gamers.

JP tinha nas mãos um produto digital e o desafio de levá-lo até as pessoas interessadas. Por ter canais e ferramentas descentralizadas de controle, esse era um trabalho que tomava grande parte do tempo de João. Dessa experiência, veio uma ideia — que tratou logo de contar ao sócio.

Mateus lembra que João Pedro chegou dizendo:

— Cara, estou tentando vender um ebook pela internet e não há praticamente nada que facilite o trabalho de alguém que queira fazer isto. Acredito que essa dor não é só minha. Existe uma oportunidade aí.

A faísca que fez nascer a Hotmart

Mateus abraçou a ideia no mesmo instante. Os sócios começaram criando uma landing page branca que tinha apenas quatro informações: o logo da Hotmart, dois campos explicando os benefícios para afiliados e produtores de conteúdo e um aviso de que a tecnologia estava em desenvolvimento. Enquanto programavam a plataforma, a página formava uma base inicial de interessados. Na semana em que o MVP iria para o ar, tinham acumulado 2 mil contatos cadastrados na lista de interesse.

Por um ano e meio, a rotina dos empreendedores era basicamente a mesma: saíam do trabalho no fim do dia e passavam a noite programando. No final de 2010, lançaram a versão alpha da Hotmart: uma plataforma para produtores digitais que poderiam vender ebooks com a ajuda de uma rede de afiliados, revendedores que usavam canais digitais próprios para promoção da venda.

A expectativa era altíssima, já que o problema tinha sido validado e os dois empreendedores viviam, novamente, a ansiedade de lançamento de um negócio. No dia de disparo do primeiro convite, aconteceu o que João Pedro e Mateus não esperavam. As pessoas entraram na plataforma, usaram e foram embora. “Não conseguimos vender nada. Foi um balde de água fria”, conta Mateus.

Nesse momento, eles criaram um acordo: o produto tinha um ano de vida para se provar. Mesmo acreditando muito na ideia, os empreendedores sabiam que não poderiam deixar o negócio patinando por muito tempo, como aconteceu antes na Mobworks. O movimento das engrenagens no início foi lento, como lembra Mateus. “Nosso primeiro usuário apareceu em outubro de 2010; em novembro, conseguimos movimentar R$190,00. Foi só em fevereiro de 2011, quase seis meses depois do lançamento, movimentamos cerca de R$1.000,00 na plataforma.”

No final do mês a empresa tinha faturado R$180,00. Isso mesmo, cento e oitenta reais. Aquele valor era suficiente para os dois empreendedores sentirem que o negócio tinha muito potencial. No mesmo mês, tomaram uma decisão: sairiam de seus empregos para se dedicarem por inteiro à Hotmart. Em março, Mateus e JP tornaram-se empreendedores em tempo integral. “Nós sabíamos que as pessoas queriam aquilo, só não conseguimos entregar o que elas imaginavam receber naquela primeira versão”. afirma JP.

Os dois usaram as economias guardadas e alugaram uma sala com Diego Gomes, Empreendedor Endeavor da Rock Content, no final da rua onde JP morava. Passaram os meses seguintes melhorando o produto, absorvendo os feedbacks dos clientes e ajudando a formar um dos maiores ecossistemas empreendedores do país: o San Pedro Valley. Naquele ano, venceram o prêmio Buscapé, depois de concorrerem com mais de 800 startups brasileiras. Das quatro finalistas de 2011, só a Hotmart sobreviveu.

Com o investimento, puderam contratar o primeiro programador e acelerar o desenvolvimento da plataforma. Em agosto, tiveram a prova definitiva: um produtor digital que vendia cursos de educação financeira vendeu, em uma semana, cerca de R$ 35 mil. Eles não tinham dúvidas de que aquele negócio tinha futuro.

“Nós só precisávamos encontrar mais 1.000 pessoas iguais a esse cara para conseguir pagar um salário para nós. Se fosse para viver assim, nós viveríamos felizes fazendo o que gostamos.”, conta JP.

Hoje, o sonho das 1.000 pessoas é muito maior. São mais de 90 mil produtores de conteúdo beneficiadas pela plataforma que largaram seus empregos, transformaram hobbies em negócios e decidiram empreender a partir de suas paixões.

Atingindo o ponto de inflexão

Sete anos depois, a Hotmart é uma das principais referências de novos negócios digitais no Brasil. São cerca de 300 funcionários em 4 escritórios pelo mundo, formando também a maior rede de afiliados da América Latina, com mais de 1 milhão de usuários.

Para concretizar sua missão, a scale-up oferece três ferramentas principais: o Hotmart Club, que hospeda e entrega produtos digitais como cursos, ebooks e materiais baixáveis; a Plataforma Hotmart de gestão das vendas para produtores e afiliados, e o HotPay, sistema de pagamentos de alta conversão, especializado em venda de produtos digitais e assinaturas e capaz de processar vendas internacionais em múltiplas moedas diferentes.

Nos corredores da empresa, são as histórias dos usuários potencializados pela ferramenta que inspiram o time a continuar crescendo. Pessoas como o artista profissional Charles Laveso, ex-funcionário de aeroporto que disponibilizou um curso online de desenho realista na plataforma e hoje pode viver exclusivamente de sua arte e crescer como empreendedor. Charles mudou a sua história e da sua família, vendendo seus cursos de desenho através da Hotmart.

Crescer a cada novo estágio

De 2010 para cá, Mateus e JP têm aprendido que cada fase do negócio apresenta dores de crescimento específicas. Há seis anos, o maior desafio estava em recrutar o primeiro time. Há três, eles se preocupavam em replicar o conhecimento dos sócios para formação dos times de marketing e comercial, enfrentando o desafio de delegar. Hoje, a estratégia de expansão é o foco de Mateus e JP — e também a maior oportunidade de crescimento acelerado da Hotmart.

Essa estratégia começou a ser discutida em 2013, ano em que a Hotmart movimentou, pela primeira vez, R$ 1 milhão em um mês. Os números cresciam exponencialmente e a vontade de construir algo de impacto global só aumentava. Mas quase não havia exemplos próximos de startups que tinham feito o movimento de internacionalização, e isto deixava Mateus e João receosos de pisar fora do Brasil.

Nessa mesma época, durante um processo de captação de investimentos, os empreendedores conheceram Kees Koolen, early investor e CEO da Booking.com por mais de 10 anos. “A primeira pergunta que ele nos fez foi: ‘por que você não são globais?’ Nós falamos que queríamos, mas só dali a alguns anos porque os exemplos que tínhamos nos mostravam o quanto era difícil. E aí ele disse: ‘eu já fiz isso antes. Qualquer problema que tiverem pela frente, eu posso ajudar’”, lembra Mateus.

Aquele foi o impulso que faltava para os empreendedores arriscarem pisar além das fronteiras. Na prática, JP e Mateus enfrentaram um conjunto gigante de problemas durante a expansão que se mostraram bem únicos da própria Hotmart. “A maior força que Kees nos deu foi quebrar a crença limitante que nós tínhamos. Nos fez acreditar que dava para fazer”, diz João Pedro Resende.

“No dia a dia, porém, alguém pode até apontar o caminho, mas nunca consegue avisar que, no próximo passo virando à esquerda, tem um buraco. Isso o empreendedor descobre sozinho”. O esforço envolvido na internacionalização é tão grande que vai desde replicar a cultura organizacional do Brasil em outros países, considerando as diferenças culturais, até o desafio de entender um novo mercado do zero.

Mateus aprendeu que “você precisa vivenciar aquela cultura, entender como as pessoas pensam, em que estágio de maturidade o mercado digital daquele país está… É como montar uma startup toda outra vez.”

Além disso, a expansão que levou a Hotmart para Colômbia, Espanha, Holanda e, em breve, para o México, fez surgir um novo desafio de gestão: formar sucessores das pessoas que estão abrindo novos mercados pelo mundo. Se um profissional daqui é convidado para liderar uma das novas operações, ele deixa um vácuo na liderança que precisa ser ocupado por outra pessoa do time.

Por essa razão, o time inteiro é provocado a abraçar grandes desafios que subam a barra do que parecia impossível. Dessa forma, a cultura da Hotmart é sustentada por três valores-chave: autonomia, diversão e excelência para formar um time classe A de nível global.

Novos recifes de coral

Aquela comunidade de startupeiros que dividiam a mesma rua — e até a mesma salinha — transformou-se hoje em um ecossistema empreendedor com mais de 300 empresas, além de coworkings, investidores e aceleradoras que fomentam a região. Essa evolução do ambiente se refletiu também na mudança do papel de João e Mateus para a comunidade do San Pedro Valley.

No início, eles faziam meetups, encontros e hubs que “puxavam” o ecossistema para se integrar. Hoje, com o surgimento de novas gerações de startups, eles são o suporte para fortalecer quem está se preparando para crescer. Os empreendedores são chamados por grandes corporações para falar de investimento, por pequenos empreendedores para compartilhar desafios de crescimento e, ainda, assumem um novo papel: o de investidores.

Entre as empresas já investidas, estão a eNotas, uma plataforma de gestão de Notas Fiscais Eletrônicas, a ROBOS.im, especializada em atendimento com inteligência artificial, a 12minutos, um aplicativo de resumo de livros e a VidMonsters, agência de video marketing. Todas nascidas e criadas em Belo Horizonte.

Na visão de JP, não existe outro caminho para Minas Gerais que não passe pelo crescimento desse ecossistema empreendedor.

“Minas vive até hoje da extração do minério do chão. Esse negócio tem data para acabar. Daqui a 30 anos, não vai ser possível mais se sustentar disso. Se não desenvolvermos uma nova camada de autonomia no estado, baseada em tecnologia e inovação, vamos ficar para trás. O capital intelectual das universidades mineiras, as linhas de fomento, as aceleradoras e a comunidade que está se formando são um caminho para fortalecer essa nova economia.”

Nessa linha, Mateus concorda que o exemplo é a melhor forma de liderar qualquer mudança sistêmica. “Nós à frente da Hotmart e tantos outros empreendedores amigos nossos construindo suas empresas, conseguimos inspirar muitos outros a vir junto, a despertar o interesse por startups, tecnologia e inovação. É um efeito em cascata.”.

O que começou no bairro de São Pedro, em BH, agora pode ser levado para o país todo — e para o mundo. Mateus e João Pedro foram aprovados no 80º Painel Internacional de Seleção da Endeavor no último dia 29/6 em Milão, na Itália.

Ao lado de uma rede com mais de 300 mentores e 180 empreendedores no Brasil, os dois multiplicam o que aprenderam levando para outros lugares a mesma faísca que fez surgir o recife de corais em Belo Horizonte conhecido como San Pedro Valley. Só nos resta acompanhar o florescimento desses novos ecossistemas.

Fonte: Exame

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