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Foi por curiosidade que executivos resolveram testar um daqueles óculos de realidade virtual. Era um projeto educacional, um jeito novo de ensinar jovens em idade escolar. “Vimos ali uma oportunidade para utilizar a realidade virtual e aumentada dentro da fábrica”, lembra Angelo Figaro, CIO da Renault-Nissan na América Latina.

Os óculos virtuais foram adaptados para sensibilizar operadores de máquinas sobre os dispositivos que devem usar em campo, por motivos de segurança.

O projeto, piloto, foi o primeiro da gigante francesa com a startup Eruga. A empresa surgiu para atender o mercado educacional, mas a parceria com a Renault abriu um campo vasto de oportunidades no segmento industrial.

A parceria – depois exportada para plantas da montadora em países como Portugal e Romênia – integra uma série de iniciativas que têm feito da subsidiária brasileira, com sede em São José dos Pinhais, uma referência ascendente em termos de inovação, dentro da Renault. A startup curitibana já contabiliza clientes como Ambev, DHL, O Boticário e Electrolux.

A relação entre startups e indústria ainda é uma coisa nova. Empresas que lidam diretamente com os consumidores, como Uber e AirBnb, são mais populares, para o grande público. Já a inovação no segmento industrial ocorre mais nos bastidores.

No Paraná, na última década, algumas dezenas de startups com este perfil foram criadas. Nem todas prosperaram. Mas algumas já se tornam empresas robustas.

Inovação que vem do Sudoeste

A Inobram, que desenvolve tecnologia para o setor do agronegócio, ocupa uma área de seis mil metros quadrados em Pato Branco, no Sudoeste paranaense. Foi fundada ali mesmo, na incubadora da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), em 2004.

“Eu trabalhava em uma empresa de tecnologia, assim como meus outros dois sócios. A gente se conhecia da universidade e tinha um objetivo em comum, que era criar um produto para atender o mercado”, conta Cleverson Brandelero, diretor executivo da Inobram.

O primeiro produto da startup foi uma balança de pesagem inteligente. Hoje a empresa atende agricultores de todo o Brasil e da América Latina, com um portfólio de 36 produtos. A taxa de crescimento, segundo Cleverson, é de 30% ao ano.

Aceleradora de startups

Atualmente, 11 startups com foco em desenvolver novas indústrias ou processos industriais estão alojadas no Câmpus da Indústria, em Curitiba. Foi ali que o pessoal da Eruga fez seu primeiro contato com a Renault, em uma conversa de corredor, em 2016.

“A gente tem esta missão de sensibilizar as indústrias sobre a importância de reverem seus processos e se conectarem a estas tecnologias. E o relacionamento com startups é um braço desta interação”, explica Rafael Trevisan, coordenador de Inovação do Sistema Fiep.

Fundada há oito anos, a incubadora já capacitou 27 startups que, juntas, criaram mais de 50 empregos e já receberam R$ 9 milhões em investimento. O programa é voltado para startups que já tiraram boas ideias do papel e estão naquele momento em que precisam dar um salto para se consolidar enquanto negócio.

Outra empresa que passou por ali foi a Tau Flow, que adapta uma tecnologia hoje só utilizada em pesquisas de ponta, como na Fórmula 1, para indústrias comuns.

Com dois sócios em Curitiba, a Tau Flow tem sede em Campinas, já que é ligada à incubadora da Unicamp. É comum as startups participarem, de forma concomitante, de diferentes programas, com focos diferentes.

Para a Tau Flow, a parceria com a universidade é fundamental para o desenvolvimento da tecnologia. Já o programa do Sistema Fiep foi importante para a parte comercial, para estreitar o relacionamento com grandes indústrias.

Relação entre startups e indústria começa a florescer

A relação entre startups e indústria começa agora a amadurecer. Muitas grandes empresas ainda se relacionam com o chamado “ecossistema de inovação” apenas pelo departamento de marketing. Patrocinam programas como maratonas de inovação para consolidar a imagem de que a empresa está aberta para os desafios contemporâneos. Mas, muitas vezes, isso é da porta para fora. E não impacta no modo analógico como as corporações tradicionais costumam operar.

“A indústria nacional está muito atrasada em relação a adoção de tecnologia”, avalia o head de Inovação da Endeavor, Luis Felipe Franco. “Foram poucos os casos de companhias que se abriram, nos últimos 10 anos”. Em um mundo em que a transformação digital já atinge muitas cadeias produtivas (inclusive eliminando muitos dos intermediários no processo), essa postura tem algo de preocupante.

A boa notícia é que a crise econômica empurrou muitas indústrias a se abrirem para novas tecnologias, em busca de se manterem competitivas no mercado. O que abriu um leque de oportunidades para as startups que já estavam em um estágio de maior maturidade, com potencial para oferecer às grandes empresas uma redução de custos internos ou um aumento de receitas.

Neste último ano, a Endeavor realizou oito programas em parcerias com diferentes segmentos da indústria, algo que antes era impensável. A organização também rodou o Scale-Up Indústria, um programa próprio que selecionou 20 empresas com modelos de negócio consolidados que estão na fase de dar um salto para manter o crescimento acelerado. Quatro delas paranaenses: Maquira, Forlogic, Boomera e Manusis.

Um dos principais desafios é criar uma cultura de “inovação aberta” na indústria brasileira. A Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), órgão ligado ao Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Mdic), vê as startups como um possível vetor desta transformação.

“A gente coloca a startup lá dentro com foco em desenvolver o mindset da indústria. A startup para a gente não é meio, é fim; desenvolvê-las é um efeito colateral”, explica Rodrigo Rodrigues, coordenador de Inovação da ABDI. A agência lançou, no ano passado, um programa que conecta 27 startups a 10 indústrias de ponta, que já têm iniciativas na área de inovação, como Embraer, 3M e Votorantim.

Entrave cultural

Este entrave cultural é a principal barreira sentida pelas startups que estão em um estágio intermediário, que já contam com um produto formatado para rodar em escala industrial, mas ainda não conseguem ir além das provas de conceito — para passarem a ser fornecedoras das grandes indústrias.

Engenheiro responsável por estruturar, do zero, a área de pesquisa e desenvolvimento da Datacom, Adriano Favaro largou uma carreira corporativa consolidada para criar a TW, startup especializada em dispositivos de internet das coisas (IoT) que podem servir para monitorar ativos dentro de uma fábrica, por exemplo.

“A startup não pode perder tempo, e na grande empresa os processos são muito engessados”, avalia. “Em um cliente que visitamos, a área de T.I. leva seis meses só para avaliar se libera uma prova de conceito. Quanto mais liberar uma porta de acesso [na rede de internet]” para a TW conectar suas soluções. Incubada no Sistema Fiep, a startup contradiz o estereótipo de um grupo de jovens em início de carreira. Seus sócios são todos profissionais graduados, que trabalharam juntos na Siemens, e com experiência nas áreas tecnológica e corporativa.

Pesa o fato de que muitas grandes empresas ainda têm uma noção meio turva do que são startups. Levantamento feito pela ABDI com indústrias transformadoras do país todo mostra startups ainda são vistas como empresas jovens, em estágio inicial, ou como um grupo de jovens que cria aplicativos. E que metade das indústrias não manifestam interesse (24,2%) em contratar startups ou não têm ideia (26,4%) de como fazê-lo.

Conceito de startup

São noções que guardam semelhança – mas não dão conta – da realidade. De fato muitas startups são lideradas por jovens e têm base tecnológica. Além disso, estas empresas trabalham com a lógica de “errar rápido para errar barato”, o que faz com que elas se transformem muitas vezes e muito rápido, o que contribui para a noção de que são projetos em fase inicial.

Mas existe uma outra forma de enxergar esta “imaturidade” das startups. Grandes empresas têm se aproximado de startups para aprender a trabalhar de forma mais ágil. O setor de T.I. da Renault, em Curitiba, dividiu suas equipes como se cada uma delas fosse uma startup, com seu próprio CEO e o desafio de criar produtos com validade para o mercado. O diretor da área atua como investidor na hora de alocar o orçamento.

A Campestrini, de Curitiba, desenvolveu um software que tem justamente a função de agilizar processos na indústria da construção civil. O programa estabelece a correlação entre materiais, prazos e custos de uma obra. É um cálculo que os engenheiros já fazem, mas de forma manual e estimada. E permite recalcular, de forma rápida, mudanças no projeto inicial. Saber qual a variação de custos em uma obra que pula de 36 para 48 meses de prazo, por exemplo.

Prestes a se graduar no Sistema Fiep, a startup conta com a assessoria da incubadora para ser aprovada no edital Finep Startup, o que pode acelerar o desenvolvimento de tecnologia da aplicação. O mesmo caminho foi percorrido pela Metha Soluções, que desenvolveu a tecnologia de uma mini-central hidrelétrica, que pode ser instalada em pequenos sítios e em indústrias onde há escoamento de água. A Metha garantiu R$ 1 milhão no edital, mais R$ 250 mil em investimento-anjo, e deve abrir, em breve, uma fábrica de 350 metros quadrados em Colombo, na Grande Curitiba.

Programas locais de inovação

Entre 2013 e 2017, o programa Tecnova injetou R$ 22,5 milhões em 63 micro e pequenas empresas do Paraná para desenvolver projetos de inovação industrial. O programa, também da Finep, foi realizado em parceria com a Fundação Araucária, ligada à Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (Seti). A contrapartida do governo do estado foi de R$ 7,5 milhões.

As selecionadas receberam aportes de R$ 180 mil a R$ 600 mil, a fundo perdido. A expectativa da Fundação Araucária é de que o Tecnova 2 saia do papel até o final deste ano. Além disso, o órgão está com uma chamada específica para startups em aberto, com foco no desenvolvimento da região do Norte Pioneiro. “Existe um ecossistema regional de inovação no Norte Pioneiro e eles nos provocaram a montar um projeto piloto devido ao baixo IDH da região”, explica diretor administrativo e financeiro da fundação, José Carlos Gehr.

Em Maringá, no Norte do estado, mais de 40 startups dividem um espaço de 14 mil metros quadrados, dentro do complexo do Instituto Brasileiro de Café. Ali funciona a Incubadora Tecnológica de Maringá, iniciativa que nasceu dentro da Universidade Estadual de Maringá (UEM) para reunir projetos de alunos de tecnologia da informação, em 2004.

Entre elas está a Ingá TecSus, que ocupa uma área de 700 metros quadrados e desenvolveu uma madeira polissintética, feita à partir de resinas de difícil reciclagem, para a indústria, como o caso do material flexográfico, utilizado em embalagens autocolantes, por exemplo. A empresa tem capacidade de produzir, por hora, 15 palanques com 2,20 metros de altura e 10 centímetros de diâmetro.

A incubadora abriga desde startups como a Ingá, que já produz em escala industrial — e conta com grandes clientes, como o Grupo Cesumar — até aquelas que estão em fase inicial. Todas são ligadas ao setor produtivo. As áreas prioritárias foram definidas com base na vocação econômica da região, explica o professor da UEM Marcelo Farid, idealizador do projeto. “Estamos abertos a receber quem quer desenvolver tecnologia em um ambiente de inovação”.

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